Florana Blues
Atualizado: 27 de ago. de 2021
Por vezes tenho vontade de escrever coisas que eu próprio não entendo
e sempre que essa energia existencial se apossa de mim
recorro ao meu Eu
e tento vasculhar a parte mais poética de mim
e dar-me razão que eu também posso ser poeta
E cada vez que leio poemas dos outros
sou assaltado pela responsabilidade
de ser exímio construtor de versos futuristas.
Cada vez que penso que existo
carrego o meu orgulho de um leitor refinado
e faço-me Deus da minha própria criação poética.
Cada vez que me apaixono por uma mulher
e não sou correspondido
penso também nas que se apaixonam por mim
e pouco me importo com os seus dissabores
com os seus sentimentos mais profundos
repenso nos amores engarrafados de muita gente
trespenso nos homens e mulheres
que não conseguem expressar-se para seus parceiros.
Por muitas vezes eu sinto
que o MUNDO poderia ser diferente
se cada um de nós
soubesse ao certo da sua própria valência
e que o nome do pai-mãe-irmão-filho-vizinho-amigo
ou o lugar de nascença,
a tribo ou as línguas que se falam
fossem apenas marcos-marcas para a identificação do Sujeito.
Por vezes penso que tudo isso que escrevo
não passa de lucubrações íntimas
mas paro e me pergunto:
haverá mesmo poesia que seja diferente de
lamentos consternações imaginações
desejos ideias imagens
juízos opiniões sonhos
projectos idealizações angústias
choradeiras, celebrações...
Enfim, haverá o Eu sem o TU e vice-versa?
Cada vez que a poesia se infiltra em mim
embrulho-me no silêncio
e rebusco amores distantes
que já não têm aromas do pretérito
e neles encontro reminiscências líricas
com as quais me sinto ESSE viajante privilegiado
do tempo vivido com todas as nuances e peripécias.
Por vezes penso que nesta Pátria
que é minha dos pés à cabeça
há traidores que a vendem
por sorrisos baratos
promessas vazias
traidores que amarram o País aos interesses estranhos.
E a pergunta é:
Será que os Homens atraiçoam a Pátria por simplesmente atraiçoar
ou há algo de errado nesta vivência patriótica
que já não nos cria apetites revolucionários?!
Cada vez que penso que
essa vontade que me leva a escrever coisas sem pés nem cabeça, mas que vale a pena escrevê-las
essa mania que me habita em querer ser justiceiro num país em que a moral já foi dilapidada pelos que deviam velar por ela
essa inspiração que me pica fundo e provoca arrepios e interrogações sobre a minha verdadeira função cá na Terra
fazem com que eu seja o eterno aprendiz dos segredos da vida.
Florana blues,
será que a poesia pode, de facto, servir de voz
para se alterar o status quo do mundo vergastado?!
Stefan Florana Dick