No shorts, no sandals
Atualizado: 28 de fev. de 2021

"Só eu sei cada passo por mim dados nessa estrada esburacada que é a vida, passei coisas que até mesmo Deus duvida,fiquei triste, capiongo, aperreado, porém nunca me senti desmotivado, me agarrava sempre numa mão amiga, e de forças minha alma era munida pois do céu a voz de Deus dizia assim: - Suba o queixo, meta os pés, confie em mim,vá pra luta que eu cuido das feridas."
Bráulio Bessa

Fim do ano. Tshombe, junto da sua namorada dinamarquesa, foi passar as festas em Masvingo. O seu grande interesse era visitar o Great Zimbabwe.
No primeiro dia da sua estadia, alojados num dos Lodges de Masvingo, depois de um dia de passeio pela aldeia onde se encontra as Ruinas do Zimbabwe, o casal decidiu passar a tarde a descansar. Thsombe, no lugar de dormir, aliás, descansar, foi, com o seu livro – House of Hunger, de Dambudzo Marichera, a zona da piscina.
Uma estranha, não se sabe vindo de onde, não se conteve:
- O Senhor gosta desse escritor rebelde?
- Estou a ler. Direi depois se gosto ou não...
- E um escritor complexo e muito interessante. Dambudzo Marechera é um exemplo de independência intelectual raríssimo nos jovens países africanos, onde as elites geralmente se acolhem ao abrigo dos governos. Ele permaneceu igual a si mesmo até à morte.
- Interessante. A senhora está, assim, a criar-me mais apetite para ler o livro e saber um pouco mais da vida do escritor.
- Mamã, quem é esse negro que está a conversar contigo? – Intrometeu-se a filha na conversa.
- Que maneira é essa de se referir das pessoas? Foi essa educação que te dei, oh, Ammy? Ele é um senhor …
- Mas ele é negro – será que estou errada?
- Ammmmmmy….guarde os teus julgamentos preconceituosos para ti, filhinha. Onde bebeste esse racismo surdo, que na tua tenra idade já cheira a veneno imundo?!
- Deixe a miúda, minha senhora. Essa é a sina de ser negro. Até as crianças se riem da nossa raça, sem que algo de errado tenhamos feito. Crianças podem ser cruéis, mas os adultos que ignoram e reproduzem o racismo sem nem se darem conta são os piores responsáveis. Ela deve ter aprendido de algum lado e de algum adulto.
À noite, Tshombe e a sua namorada foram ao restaurante. O Segurança que controlava a porta deixou passar a branquinha e a ele perguntou:
- O Senhor sabe ler?
- Em que língua?
- Inglês.
- Falo inglês, francês, espanhol, mas infelizmente não sei ler nessas línguas. Sou falante do português e nessa língua sei ler e escrever. Quererá ajudar-me a ler alguma coisa e que seja útil para mim?
- Sim. Naquela placa está escrito: NO SHORTS, NO SANDALS.
De facto, esses dizeres estavam escritos logo por cima da porta de entrada do Restaurante.
Tshombe, no seu orgulho característico de um negro que não aceitava ordens de qualquer um, insurgiu-se:
- Essa frase está incompleta.
- Incompleta???!
- Sim, devia ser: NO SHORTS, NO SANDS FOR BLACKS.
O porteiro reolhou para Tshombe e não teve outra saída que lhe deixar passar.
- E porque me deixas passar, se a frase …
- Quero acreditar que o Senhor sabe ler e escrever todas essas línguas que fez menção. Não quero complicar a minha vida. Mas sugiro que entre e fale com o gerente…
- Não preciso falar com gerente, mas vou fazer uma brincadeira que vais gostar….
- Não me vai comprometer?
- Vou, mas é por uma boa causa. Vais ver...
Tshombe entrou no Restaurante e foi directamente a uma mesa onde estavam sentados oito brancos e vestidos de calcões, uns com sandálias, outros, de sapatilhas, e ainda outros, descalços.
- Peço imensas desculpas por importunar-vos. Por acaso vocês sabem ler?
- Que negro tão atrevido! – Reagiu um deles.
Tshombe fez de conta que não ouvira essa reacção, e continuou:
- Lá fora, na entrada, está escrito: No shorts, no sandals. Será que vocês não viram essa advertência? Será que o porteiro fez de conta que essa advertência era para os negros, como eu? Será que o gerente torna-se cego quando são os brancos que violam o que está escrito lá fora? Ouvi alguém a dizer: que negro atrevido? Acham-me atrevido, porquê? Por acaso Zimbabwe é só dos brancos? E onde iremos pôr os negros?
(Silencio).
O gerente saiu até a entrada e retirou a maldita placa. Todos os clientes, com a excepção de dois ou três pessoas, bateram palmas.
- Ofereço-te isso para fazeres o que quiseres com essa nossa vergonha. – Disse o Gerente. – De hoje em diante, não haverá mais discriminação neste restaurante. Negros e brancos, afinal, são filhos de Deus, o mesmo Deus.
- E tu acreditas que haja mesmo negros e brancos?
- Não te entendo, Senhor?
- Branco e Negro são uma criação dos que se achavam superiores em relação aos outros. Olha bem para ti: és castanho-claro e eu sou castanho-escuro. Tens alguma coisa de branco como este papel?
(silêncio).
Proibido calcões e sandálias Este texto faz parte do livro no prelo intitulado BRANQUITUDE